30 de nov. de 2011

Encontro do Século - CAP. 15



No capítulo anterior...
- Beija reencontra o velho amigo Fortunato
- O boticário espalha a notícia de sua volta no arraial
- Um grupo de homens se aglomera para ver a chegada de Beija

CAP. 15

Beija entra garbosa em São Domingos e atrai a atenção de muitos, pouco acostumados a um cortejo daquele tamanho em suas ruas. Ela sorri e acena para o público, essencialmente masculino.

BEIJA: Nossa, que recepção... Não esperava tanta euforia assim no meu retorno. Estou me sentindo a rainha da França... (risos)
SEVERINA: A Sinhá ainda é muito querida aqui. Seu João, seu avô tinha grandes amizades nesse arraial.

Logo em frente a hospedaria a comitiva para, pois Beija avista Padre Aranha, o velho vigário que há conhecia desde os quatro anos de idade.

BEIJA (descendo da carroça com a ajuda de Moisés): Padre Aranha! Que surpresa agradável! Como é bom revê-lo! (tomando a bênção e beijando a mão do vigário).
PADRE ARANHA: Quanto tempo, minha filha! Também posso dizer a mesma coisa...
FORTUNATO (interferindo, sob o olhar de protesto do padre): Minha querida, como passou daquela hora?
BEIJA: Bem, Fortunato, mas muito melhor agora, revendo meus grandes amigos...
PADRE ARANHA: Fico tão feliz com a sua volta, filha... Confesso que rezei muito por isso.
BEIJA: Pois lhe confesso que, na verdade, não queria voltar... Preferia conhecer o Rio de Janeiro, a Corte, o mar... Mas acabei convencida. Agora estou aqui e é isso que importa.
FORTUNATO: E quando poderemos visitá-la na casa de seu avô?
PADRE ARANHA: Contenha-se, Fortunato, espere pelo menos que a coitada desfaça a mudança. Não vê a quantidade de bagagem (apontando os carros-de-boi).
FORTUNATO: E o senhor, vê se para de implicar comigo, velho vigário!
BEIJA: Meus queridos, pelo que vejo as rusgas de vocês continuam as mesmas... Mas não vão brigar por minha causa. Assim que organizar tudo, darei um jantar, coisa bem simples, apenas para os amigos mais próximos... Está bem assim?
FORTUNATO (esfregando as mãos): Boa, Beija. Boa idéia....

Após cumprimentar sumariamente mais alguns conhecidos, Beija embarca na carroça e segue. Mas um detalhe lhe chama a atenção: à medida que a caravana avança, percebe portas entreabertas se fechando. Algumas mulheres se escondem e outras até batem as portas.

BEIJA (surpresa): Sabia que tinha algo de errado quando vi apenas homens na porta da hospedaria...
SEVERINA: Não ligue, Sinhá, isso é cisma sua... Elas são ressabiadas assim mesmo... Mal vêem gente passando por aqui. Ainda mais uma caravana dessas...
BEIJA: Talvez você tenha razão... O povo de Paracatu é mais evoluído, o arraial é maior e tem mais movimento, por causa da Ouvidoria.

Nisso sua atenção é despertada por uma mulher que resmunga e em seguida bate a porta com violência.

CARMELA: Não sei o que essa meretriz veio fazer aqui! Deveria ter seguindo para as profundezas do inferno!

Severina e Beija se entreolham desapontadas...

TRÊS DIAS DEPOIS

No domingo pela manhã, Beija resolve assistir à missa das nove, como era de costume na sua infância. Apesar do esforço, acaba se atrasando e quando chega às escadarias da velha matriz, a missa está em andamento. Ela para na porta de entrada e Padre Aranha lhe acena, apontando lugares vagos na primeira fila. Imediatamente a cantoria é interrompida e todos se voltam para a entrada, deixando Beija constrangida.

BEIJA: Perdoe-me, Vigário, pelo atraso... (caminhando rápido e se assentando no lugar indicado, acompanhada por Severina).

A beata Idalina então se levanta, furiosa, e se posta na frente do Padre, para espanto de todos.

Continua amanhã...

29 de nov. de 2011

Encontro do Século - CAP. 14



No capítulo anterior...
- Beija decide seguir para Araxá
- A comitiva para num riacho para o banho
- Um estranho se aproxima a cavalo

CAP. 14

FORTUNATO (extasiado): Beija! Não pode ser! É você mesmo, minha querida?
BEIJA (se recompondo): Sim, Fortunato, sou eu mesma, em carne e osso. Como vai o nosso velho boticário?
FORTUNATO (apeando do cavalo, fazendo a corte): Melhor agora, revendo esta jóia de São Domingos dos Arachás...
BEIJA: Vejo que continua galante como sempre...
FORTUNATO: tem coisas que ainda não perdi nesses quase quarenta anos de vida... (pausa) Será que é certo o que estou pensado?
BEIJA: Sim, Fortunato, estou de volta a São Domingos dos Arachás. E dessa vez, para ficar.
FORTUNATO: Que notícia boa! E onde vai se hospedar, minha flor?
BEIJA: Por enquanto volto para a casa de meu avô. Pelo que saiba está desocupada e dona Gertrudes tem cuidado dela.
FORTUNATO: É verdade, ninguém mais morou lá depois que seu João... (percebendo a gafe) Ah... deixa pra lá... O importante é que você está de volta...
BEIJA: Sei que terei de conviver com muitas lembranças nessa volta. Algumas boas e outras terríveis. Mas estou preparada.
FORTUNATO (segurando Beija pelos ombros e alguns instantes admirando-a): Como está lindo o beija-flor, como está lindo! (se abraçam forte)

O boticário* segue para o arraial e vai direto à hospedaria, que é o ponto de encontro de todos os homens da cidade. Ali espalha a boa nova:

FORTUNATO: Beija voltou para Araxá! Vocês não vão acreditar: ela está de volta!

Quando a comitiva adentra as ruas poeirentas do arraial, um aglomerado de homens se acotovela na porta da hospedaria na expectativa de ver Beija. A curiosidade toma conta de todos.

BELEGARDE, o delegado: É verdade que ela está ainda mais linda?
FELÍCIO, capataz: Será que foi abandonada pelo Ouvidor?
COSTA PINTO, o juiz: Por que motivo teria voltado a São Domingos?
VADO, capataz: Por que o Ouvidor não quis levar ela pra Corte?
DILERMANO, comerciante: Será que vai receber homens em sua residência como fazia em Paracatu?
TONICO, peão (malicioso): Será que vamo tê chance?

Continua amanhã...
__________
* Boticário é como eram chamados os farmacêuticos da época. O boticário também fazia as funções de médico.

28 de nov. de 2011

Encontro do Século - CAP. 13



No capítulo anterior...
- Severina tenta encorajar a patroa, que teme viver sozinha após a partida do Ouvidor Motta
- Beija se despede dos pobres e necessitados da Paróquia
- Numa encruzilhada a comitiva para e Beija terá de decidir: Rio de Janeiro ou Araxá?

CAP. 13

MOISÉS: E intão, Sinhá, pra onde vamo?
BEIJA (respira fundo): Para São Domingos dos Arachás, Moisés. Foi lá que cresci, e é lá que vou reconstruir minha vida. Padre Melo Franco tinha razão: na Corte, sem a proteção de Motta, seria apenas mais uma. (confiante) Em Araxá será diferente...
SEVERINA: Que bom que a Sinhá tenha tomado essa decisão.
BEIJA: Mas não pense que foi fácil... Eu tinha muitos planos para a Corte.
SEVERINA: Quem sabe um dia? A minha Sinhá pode tudo!
BEIJA (interrompendo): Toca, Moisés, antes que eu mude de idéia.

O escravo ordena aos carreiros que sigam em frente. Beija fixa seu olhar na estrada que conduz ao Rio de Janeiro e seu pensamento parece viajar longe... Severina percebe e abraça a patroa, apesar dos solavancos da carroça.

Poucos dias depois a comitiva se aproxima de Araxá. Do alto do morro do Lava-Pés já é possível avistar alguns telhados, ainda bem distantes...

BEIJA (empolgada): Ai que saudades do Araxá... Como é bom rever este lugar! (para Moisés) Quero que pare no riacho para tomarmos um bom banho e vestirmos roupas limpas. (para Severina) E você fará um belo penteado no meu cabelo. Não quero chegar ao arraial toda descabelada...
SEVERINA: Como é bom ver a Sinhá animada assim...
BEIJA: Como me disse Padre Melo, a vida continua. Seja o que for que nos aconteça, não podemos nos entregar.

Conforme o previsto, os carros e muares param nas margens do Ribeirão do Lava-Pés. Beija ordena que os homens sigam para uma área afastada rio abaixo e ali tomem seu banho.

BEIJA: E só voltem quando eu ordenar!

Severina ajuda a patroa a tirar o vestido e as anáguas. Beija se submerge, nua, e vem à tona, mostrando todo o esplendor de sua beleza aos 17 anos de idade. Severina ensaboa sua ama, que se delicia com o banho.

SEVERINA: A Sinhá parece um pato nessa água...
BEIJA: Uma das coisas que mais sentia falta em Paracatu era das águas do Araxá. Não sei explicar, mas essas águas têm algo de milagroso... Sentia falta das águas do Barreiro, da lama...
SEVERINA: Agora a Sinhá terá tudo isso de volta.
BEIJA: Por mim ficaria nessa água o dia todo. Mas é melhor nos apressarmos, todos estão impacientes para chegarmos logo.

Uma hora e meia hora se passou e quando Severina ajuda Beija a se vestir, um estranho se aproxima, à cavalo.

SEVERINA: Sinhá, vem vindo alguém aí...

Continua amanhã...

26 de nov. de 2011

Encontro do Século - CAP. 12



No capítulo anterior...
Beija aceita as condições do Ouvidor e se torna “esposa” dedicada
O casal vive dias de harmonia e o jantar de despedida é um sucesso
Padre Melo Franco comunica que já vendeu as terras de Beija
O Ouvidor parte com sua comitiva
Beija teme por seu futuro sem a proteção do Ouvidor

CAP. 12

Severina abraça a patroa e a consola.

SEVERINA: A Sinhá não tem o que temer. Hoje é uma mulher rica e todo mundo respeita o dinheiro, a posição social.
BEIJA: Tomara que você esteja certa, Severina, tomara. Motta também me disse a mesma coisa, mas tem horas que fico tão insegura...
SEVERINA: Eu estarei sempre do seu lado, Sinhá e não deixarei que ninguém lhe faça mal... E agora vamos, que precisamos arrumar nossa mudança também...

UMA SEMANA DEPOIS...

A mudança está toda acomodada nos carros de boi. Apenas alguns objetos de uso necessário ainda estão dispersos. Uma pequena fila de pessoas necessitadas se forma na porta do palacete. Beija e Severina comandam a distribuição das trouxas de roupa, de gêneros alimentícios e também de alguns objetos do palacete.

CLARA: Eu não tenho palavras para agradecer a Dona Beija. Nunca tive em toda a minha vida roupas tão belas quanto estas... Dona Beija é uma santa...
BEIJA: Não diga bobagens, dona Clara... O que Deus nos deu é para distribuir com os irmãos...
SEU JOSÉ: Não sei o que seria da minha família se não fosse Dona Beija...
BEIJA: Agradeça a Deus, seu José, sou apenas um instrumento nas mãos dele...

Beija é extremamente caridosa e não abre mão de ajudar aos necessitados. Por isso toda esta comoção na despedida. Mas antes de partir, ainda faz questão de ir às escadarias da matriz, se despedir dos cegos, coxos e aleijados da Paróquia.

BEIJA (aproximando-se de um aleijado): Eu não poderia partir sem antes me despedir dos meus grandes amigos.
TIÃO: Quanta honra, Dona Beija, quanta honra...
BEIJA: Honra deve ser dada a Deus e à Sant’Anna, Tião. Reze muito para eles...

Mais adiante...

SEVERINA: A Sinhá não vai se despedir do Cego Jó?
BEIJA (olhando à volta): Ele não está por aqui... Onde se meteu?
SEVERINA (olhando ao longe): Lá está ele, Sinhá, lá na frente, embaixo da gameleira.
BEIJA: Vamos até lá...

Ao se aproximar, se surpreendem com a atitude do velho homem.

(com voz embargada): Eu num quiria vê a partida de Dona Beija... Nossa vida nunca mais será a mesma sem a Sinhá... E agora, quem vai dá esmola?
BEIJA (sem conseguir conter as lágrimas): Jô, lhe agradeço muito pela consideração. Que Deus o abençoe e envie outras almas bondosas para cuidar de vocês.

Beija deixa uma pequena fortuna com Padre Melo Franco e ordena que distribua entre os deficientes da paróquia, dividindo tudo em pequenas parcelas semanais.

Na madrugada seguinte a comitiva parte. Depois de cinco dias de viagem o comboio chega a uma encruzilhada.

MOISÉS: Sinhá, seguindo em frente vamo para São Domingo dos Arachá. Pegando a estrada da esquerda vamo para o Rio de Janeiro. Pra onde a Sinhá qué ir?

Beija fita Severina, sem responder...

Continua segunda-feira...