No capítulo anterior...
Beija
aceita se casar com Pedro
Domitília
procura Beija e faz ameaças antes de partir
Pedro
leva o filho para passar o dia na fazenda e o abraça forte
Um acidente
acontece e o pequeno Pedro Antonio morre
Beija
entra em profunda depressão e desiste do casamento
Passa
algum tempo e nasce o filho de Benedita
Barbacena
diz que princesas europeias se recusam a casar com Pedro
Inconformado
o Imperador manda buscar Domitília em São Paulo
Beija
volta atrás e resolve aceitar o pedido de casamento
Pedro
recebe uma carta de última hora e fica confuso
O
imperador adentra o salão para comunicar sua decisão
CAP. 222
Beija e Domitília se fulminam com os olhares. Cada uma acredita
que será a escolhida. Momentos de tensão e expectativa, até que...
PEDRO: Como dizia, a nova
imperatriz do Brasil será dona Amélia de Leuchtenberg, uma princesa europeia.
Acabo de assinar o contrato nupcial. Conversei muito com meus ministros e concluímos
que esta será a melhor solução para mim e para o Império.
Decepção nos rostos de Beija e Domitília. Um murmúrio coletivo
ecoa pelo salão. Domitília se descontrola e interrompe.
DOMITÍLIA (gritando): Não pode
fazer isso comigo! Mandou buscar-me em São Paulo para anunciar-me como esposa!
PEDRO (indiferente): Falo em particular com a senhora depois, Marquesa. Por
favor, deixe-me concluir. Reza este contrato nupcial que Dona Beija, a Marquesa
de Araxá e Dona Domitília, a Marquesa de Santos, sejam banidas da Corte, ou
seja, devem deixar o Rio de Janeiro o quanto antes. Esta foi a condição imposta
por Dona Amélia de Leuchtenberg para aceitar o casamento. Isso é o que tenho a
comunicar. Senhoras, senhores, aproveitem o baile. Maestro, música para todos!
Corta para o gabinete.
PEDRO: Beija, peço
desculpas se não pude atender seu apelo. Muitas vezes você mesma me ensinou a
ser sensato e ponderado, a tomar decisões pensando grande, distante, no futuro
da nação... Desculpe se usei o bom senso contra os seus interesses.
BEIJA: Uma parte de mim
entende o que está dizendo, Pedro. É claro que a outra parte acalentava o sonho
de ser sua esposa, de ser a nova imperatriz, mas é preciso ouvir a voz da
razão. O povo nunca aceitaria uma prostituta como imperatriz, porque na verdade
é isso que eu sou. E mesmo feita imperatriz, esse fantasma iria me perseguir
pelo resto da vida. Viriam novos escândalos, novos boatos e nunca viveríamos em
paz.
PEDRO: Foi exatamente nisso
que pensei quando decidi começar tudo de novo. Uma nova união, uma nova esposa,
uma pessoa desconhecida. Isso apagaria todos os ranços do passado.
BEIJA: Uma vez me disse que
não sou mulher de um homem só, assim como você não é homem de uma mulher só. Ao
longo dos anos cheguei à conclusão que isso é a mais pura verdade. Nós dois
nascemos para ser livres, para viver livremente nossas sexualidades e nossos
amores. Mas, um último conselho, meu querido: de agora em diante, seja mais
discreto em suas aventuras. Que esses anos tumultuados lhe sirva de lição.
PEDRO: Obrigado pelo
conselho.
BEIJA: Quero lhe agradecer
por tudo: pela oportunidade de conhecer o mar, o Rio de Janeiro; pela
oportunidade de aprender a ler e a escrever; pela imensa ventura da
maternidade, pelos títulos de nobreza, pela chácara Cedro, enfim, por tudo que
me proporcionou.
PEDRO: E saiba sempre,
Beija, tudo que vivemos foi maravilhoso e ficará guardado em meu coração
enquanto vida tiver. Esteja certa de que sempre a terei na mais elevada estima
e consideração. Conte comigo para o que precisar.
Pouco depois é a vez de Domitília, mas o tom da conversa muda da
água para o vinho.
DOMITÍLIA (irritada): Se era
para me humilhar, me ridicularizar mais uma vez na frente dessa corja, porque
não me deixou em paz no meu canto?
PEDRO: Entenda, Titília,
aconteceu uma mudança de última hora. Nunca passou pela minha cabeça a ideia de
lhe humilhar em público. Sabe que jamais faria isso, é mãe dos meus filhos.
Naquele momento nosso casamento era praticamente a única solução possível, só
que nesse meio tempo surgiu outra possibilidade, que atende melhor aos
interesses de todos.
DOMITÍLIA: Todos os interesses
seus, no caso, não é mesmo?
PEDRO: Tem quase uma década
que vivemos esse tumultuado romance. Já era hora de tomar uma decisão sensata:
botar um ponto final nisso. De agora em diante cada um de nós terá de construir
uma nova história. Tudo que vivemos foi maravilhoso, foi bonito, tivemos filhos
lindos que vão nos unir indiretamente pelo resto da vida. Mas agora é hora de
dar um basta nessa situação.
DOMITÍLIA: Pra você é tudo
muito fácil! Usou e abusou, agora é só descartar!
PEDRO: Não tente me culpar
por tudo, porque você, Titília, tem uma grande parcela de culpa nessa situação
toda. Se não tivesse perdido a cabeça e feito todas as besteiras que fez,
talvez hoje pudéssemos viver nosso amor em paz. Acredita que o povo a aceitaria
como a nova imperatriz do Brasil? Acredita que a amaria como a Leopoldina?
DOMITÍLIA: Estou me cortando
pelo que o povo pensa! O povo que se dane!
PEDRO: Está vendo? Não
consegue enxergar a situação como um todo. Só consegue pensar em si mesma...
Domitília sai irritada do gabinete e do lado de fora se depara
com Beija.
DOMITÍLIA (descontrolada):
Maldita! Mil vezes maldita! Se não tivesse atravessado o meu caminho, hoje
seria a imperatriz do Brasil! Eu te odeio sua meretriz dos infernos!
BEIJA (calma): Eu poderia
fazer minhas as suas palavras, mas ao invés disso, prefiro dizer que você mesma
escreveu a sua história. Tudo que está acontecendo hoje só aconteceu porque
você mesma quis assim. Não fosse a sua ganância, a sua busca desenfreada pelo
poder e todos os golpes baixos que usou para alcançar seus objetivos, hoje
certamente poderia ter sido anunciada como a nova imperatriz.
DOMITÍLIA: Além de tudo ainda
serei obrigada a ouvir sermão de uma rapariga?
BEIJA: Tenha um pingo de
amor próprio e altivez. Evite culpar os outros pelos seus próprios erros. De
mais a mais, conheci Pedro muito antes que você. Já vivíamos toda uma história
de amor. E se quer saber, fui eu quem o aconselhou a fazer aquela viagem a
Santos. Portanto, deveria me agradecer por ter chegado aonde chegou. Se não
fosse por mim, sequer teria conhecido Pedro. E agora, se me dá licença, tenho
mais o que fazer.
Domitília tem um ataque de fúria e começa a quebrar tudo que vê
ao seu redor: vasos, quadros, esculturas, até ser retirada à força pelos
guardas do palácio.
DOMITÍLIA: Maldita! Maldita!
Mil vezes maldita! Eu te odeio, meretriz dos infernos, rapariga! (e para os
guardas) Me soltem seus animais! Me soltem!...
O fiel amigo adentra o gabinete.
CHALAÇA: Pedro, fico feliz
que tenha se livrado dessas duas. Creio que tomou a decisão mais sensata de sua
vida.
PEDRO: Não foi fácil tomar
essa decisão. A situação política é muito óbvia, mas aqui, no peito, a coisa é
bem diferente. Mas a você posso confessar: quando vi o retrato de Amélia...
Amigo... Se ela for pelo menos metade do que o artista pintou ali, já me dou
por satisfeito. Já pensou? Linda daquele jeito... 17 aninhos... Virgem...
Virgenzinha... Ai meu Deus! Tudo aquilo só pra mim?! (risos sarcásticos)
(pausa) Mas espere um instante... Não era o maior amigo e defensor de
Domitília? E agora se alegra por me livrar dela?
CHALAÇA: Na verdade nunca fui
amigo de Domitília, era apenas uma troca de gentilezas. Graças a ela me fartei
como muitas damas da Corte... Ela alcovitava tudo pra mim...
PEDRO: Você não vale nada!
CHALAÇA: Nem você, safado!
(risos debochados)
O que Pedro nunca descobriria é que Chalaça e Domitília foram
amantes por muito anos, com o único objetivo de extorqui-lo o máximo possível.
Dias depois, na Rua do Ouvidor...
SEVERINA: Tive um sonho muito
estranho essa noite... Eu sonhei que a Sinhá (e cochicha nos ouvidos da patroa)
Beija fica entusiasmada com a ideia e logo chama Moisés e Josué
para que espalhem o boato na cidade. Flaviana ouve tudo incrédula.
Naquela noite de lua cheia, Beija cavalga um cavalo branco,
completamente nua, por algumas ruas do centro da cidade. Sua longa cabeleira
loira baila ao sabor do vento. Homens saem às pressas das tavernas e se
acotovelam nas vielas para apreciar aquela visão divina.
Beija se diverte como nunca com o êxtase que provoca nos seus
admiradores. Depois de longos minutos daquele delírio coletivo, Moisés a cobre
com uma capa vermelha e a leva de volta ao sobrado.
É chegado o dia da partida. O imenso comboio de carros de boi já
seguiu conduzindo toda a mobília. Restam apenas duas charretes destinadas à
patroa, as filhas e os escravos.
No alto da última colina, de onde é possível avistar a cidade,
Beija ordena Moisés que pare. Todos desembarcam e ficam comtemplando a cidade à
beira do mar.
BEIJA: Rezei todas as
missas, dei esmolas aos pobres de todas as igrejas próximas, me confessei, pedi
perdão por tudo... Acho que agora posso partir em paz. Em São Domingos do Araxá
tudo será diferente. Agora sou uma mulher feita e respeitada, mãe de família e
não preciso da aprovação de ninguém pra nada.
FLAVIANA (vendo um
flashback): A Sinhá não lembra, mas quando chegamos a Araxá, num alto de morro
como esse aqui, seu avô João a ergueu contra o sol, ainda bebê, e disse: minha
menina ainda será a rainha desse lugar...
BEIJA: Meu avô era um homem
muito sábio, por isso eu o amava tanto. Rainha eu não fui, mas para ser
imperatriz faltou pouco... Ele não estava de todo errado...
Beija segue contemplando fixamente a paisagem deslumbrante, como
se passasse pela sua mente um filme de tudo que vivera ali.
Domitília retornou para São Paulo e com a rica indenização que
recebeu, construiu uma nova mansão nas proximidades do Largo de São Francisco,
no centro da cidade.
Sua casa tornou-se um reduto cultural da sociedade paulistana,
com animados bailes de máscaras e saraus literários, frequentados
principalmente pelos alunos do curso de Direito da Faculdade de São Francisco.
O tenente Moraes, seu ex-amante, lhe apresentou a Rafael Tobias
de Aguiar, que mais tarde se tornou seu segundo marido. Desta união nasceram
quatro filhos.
Domitília nunca realizou o sonho de ver seus filhos reconhecidos
pelo Imperador.
Pedro casou-se com Amélia de Leuchtenberg e com ela teve uma
filha. Ao contrário de sua antecessora, Amélia impôs regras em toda a Corte e
se fez respeitar como imperatriz, porém nunca foi tão amada pelo povo como
Leopoldina.
O imperador passou a ser mais discreto em suas aventuras
extraconjugais. Porém, depois de quase uma década envolvido em escândalos, sua
imagem política e seu prestígio estavam irremediavelmente abalados.
Em 1830, com a dissolução de mais um Ministério, sofreu a
oposição das elites brasileiras e foi obrigado a renunciar em favor de seu filho,
então com cinco anos de idade, que mais tarde se tornaria D. Pedro II.
Pedro partiu em companhia da esposa e da filha. Em Portugal
dedicou-se a recuperar o trono de sua filha, Maria da Glória, que fora usurpado
por seu irmão, D. Miguel.
Beija retornou a Araxá, ainda mais rica e poderosa que antes.
Construiu no arraial um palacete, onde vivia uma vida recatada. E nos
arredores, uma nova casa de lazer que recebeu o nome de Chácara do Jatobá.
Aqueles que um dia a rejeitaram se tornaram seus maiores
defensores.
Homens vindos de todas as partes dos sertões das Minas Gerais
gastavam suas fortunas em ouro, gado e pedras preciosas, na expectativa de
possuir aquela que um dia fora a “Favorita do Imperador”.
Beija reencontrou Antonio Sampaio, seu grande amor da
adolescência, e João Carneiro de Mendonça, o mais fiel de seus amantes. Juntos
formaram um novo e conturbado triângulo amoroso que perdurou por quase duas
décadas...
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Na vida real, quis o destino que os caminhos de Beija nunca se
cruzassem com os de Pedro e Domitília, pois se isso tivesse acontecido,
seguramente este teria sido o ENCONTRO DO SÉCULO.